Favoritos de Deus


O apóstolo João escreveu no prólogo de seu evangelho:
Ninguém jamais viu a Deus: o unigênito, que está no seio do Pai, é quem o revelou.

Outra sentença, em sua primeira epístola, começa da mesma forma, mas prossegue de forma surpreendente:
Ninguém jamais viu a Deus; se amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós, e o seu amor é em nós aperfeiçoado

É uma ideia desconcertante pensar que Deus escolheu pessoas comuns como Seu canal preferido para revelar Sua imagem - Seu amor -  ao mundo.

E assim o mundo que Deus ama pode nunca conseguir vê-lo, porque nosso rosto impede. Há muito tempo sinto-me perturbado por um comentário de Dorothy Sayers sobre as três maiores humilhações sofridas por Deus. Segundo ela, a primeira humilhação foi a encarnação, quando confinou-Se em um corpo físico. A segunda foi a Cruz, quando sofreu a ignomínia da morte por execução pública. A terceira é a Igreja.


Ao ler este comentário pela primeira vez, cenas da história vieram-me à memória: as Cruzadas, os massacres dos judeus, as guerras da religião, a escravidão, a Ku-Klu-Klan. Todos estes movimentos alegavam ter aprovação de Cristo. Mas a humilhação prossegue no século XX em lugares como a Iugoslávia, a África do Sul, o Líbano e a Irlanda do Norte, onde alguns dos piores conflitos do mundo envolvem cristãos. Ao olharmos para nós mesmos, só é preciso examinar a minha vida para ver até que ponto Deus se humilha para habitar em pessoas comuns.

Embora sejamos motivo de humilhação para Deus, também somos fonte de orgulho. Ultimamente tenho notado algumas frases fascinantes que transmitem o orgulho de Deus, até mesmo Seu prazer, pelos que permanecem fiéis. Revi os textos bíblicos, procurando as características comuns a estes "favoritos" de Deus. Por exemplo: o anjo Gabriel disse ao profeta Daniel que ele era "muito amado" no céu. Ao falar com Ezequiel, o próprio Deus confirmou isto, relacionando Noé, Daniel e Jó como três de seus favoritos. Eles formam um trio interessante: um sobreviveu a uma inundação, outro à cova dos leões e o último a um holocausto pessoal de sofrimento.


Na verdade, reparei que a maioria dos favoritos de Deus atravessou um teste duro de sua fé. Abraão, chamado de "amigo de Deus", passou a maior parte de sua vida esperando, impacientemente, que Deus cumprisse Suas promessas.
É claro que a Bíblia aponta para Jesus como Aquele que dá mais orgulho a Deus. Uma voz trovejou do céu:
- Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo.

O mesmo padrão de fé sob fogo aparece em Hebreus 11, um capítulo que alguns chamam de "A galeria dos heróis da fé". Nele o autor registra em detalhes terríveis, as lutas que podem sobrevir às pessoas fiéis, concluindo: "Homens dos quais o mundo não era digno." Hebreus acrescenta ainda, sobre este grupo impressionante: "Por isso, Deus não se envergonha deles, de ser chamado o seu Deus." Para mim, esta frase inverto o sentido da afirmativa de Dorothy Sayers sobre as humilhações de Deus: sim, a Igreja já foi causa de vergonha para Ele, mas também Lhe trouxe momentos de orgulho, e os santos sofredores de Hebreus 11 mostram isso.


Ao terminar meu estudo sobre os favoritos de Deus, um fato sobressaiu-se a todos os outros. Aquelas pessoas dificilmente se parecem com os santos saudáveis, prósperos e mimados que vejo apresentados nos programas religiosos na televisão. O contraste é chocante e me deixou confuso por algum tempo. Talvez seja esta a diferença: os programas na televisão precisam preocupar-se em agradar uma audiência de milhares de pessoas, às vezes milhões. Os favoritos de Deus se dedicam a agradar a uma audiência composta por Uma só Pessoa.


Philip Yancey

Receber o mandamento de amar a Deus acima de tudo, ainda mais estando no deserto, é como receber a ordem de sentir-se bem quando se está doente, cantar de alegria quando se morre de sede, correr quando as pernas estão quebradas. Todavia este é o primeiro e o maior dos mandamentos. Mesmo  no deserto - especialmente no deserto - devemos amá-LO.  (Frederick Buechner)