O texto desse post foi retirado do livro "Christians and Politics: an uneasy partners" de Philip Yancey escrito na época da eleições americanas em 2012.
Gostaria de reforçar que o livro foi escrito no contexto americano, mas como poderão perceber a realidade Brasileira não está tão diferente.
Dividi o resumo do livro em dois posts. O primeiro traz um pouco de história e pontos muito importantes para reflexão e o segundo alguns conselhos dados pelo escritor do livro. O link para o segundo está no final deste post.
O livro não trata da questão "cristão na política" e sim a relação Estado x Igreja.
"Sua responsabilidade não é apenas professar os princípios básicos da fé cristã, à luz das escrituras; sua tarefa é comunicar essas verdades imutáveis à geração em que se situa." Francis Schaeffer
Deus abençoe!
Melissa Cruz
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Durante minha infância, política não era assunto discutido nas igrejas em que frequentei. Ao invés disso, a vida de cada membro
assim como a vida eterna em Jesus era assunto dominante. Aceitávamos nosso
status de minoria, cristãos não envolvidos com política, até que em 1980 tudo mudou. Deu-se então o início a debates sobre a moral na sociedade americana.
Compelidos
por questões sociais como aborto e direitos dos homossexuais, os cristãos
evangélicos se organizaram e se candidataram a cargos políticos.
Surgiu então uma nova estatística: quanto mais proeminentes cristãos se
envolviam com políticas, mais negativamente eram vistos pela sociedade. De
acordo com pesquisas, apenas 16% de jovens de fora da igreja tem uma impressão
positiva sobre o cristianismo e apenas 3% sobre evangélicos.
O que aconteceu que causou tamanha mudança?
A maioria das pessoas que não frequentam igrejas fazem a seguinte descrição sobre cristãos: são anti-homossexuais, julgadores, hipócritas, muito envolvidos com política, não aceitam outras religiões, ultrapassados. Um entrevistado disse: “A maioria das pessoas que conheço como cristãos são muito conservadores, anti-gays, anti-escolhas e agressivos. Querem converter todos e geralmente tem dificuldade em conviver em paz com alguém que tenha pensamento diferente.”
A maioria das pessoas que não frequentam igrejas fazem a seguinte descrição sobre cristãos: são anti-homossexuais, julgadores, hipócritas, muito envolvidos com política, não aceitam outras religiões, ultrapassados. Um entrevistado disse: “A maioria das pessoas que conheço como cristãos são muito conservadores, anti-gays, anti-escolhas e agressivos. Querem converter todos e geralmente tem dificuldade em conviver em paz com alguém que tenha pensamento diferente.”
Jesus nunca instruiu seus seguidores a se preocupar com opinião
alheia, mas me pergunto como poderíamos continuar a ser sal e luz em uma
sociedade que nos enxerga de maneira tão negativa.
Abordagens de Niebuhr
Como cristãos devem se relacionar com a política em nossa
sociedade?
Desde a sua fundação, os EUA defendem a liberdade religiosa
como algo fundamental na sociedade.
Durante a era Eisenhower, anos 50, na época do “In God we Trust” (Em Deus confiamos) – frase cunhada na moeda americana - o teólogo H. Richard Niebuhr publicou um livro
que se tornou um clássico – Cristo e a
Cultura – que descreve cinco abordagens em como cristãos/governo ou
igreja/estado, poderiam se relacionar.
1. Cristo acima da Cultura
Primeira abordagem de Niebuhr se refere ao
tempo em que a igreja tinha poder sobre o governo. A Europa nos dias do Império
Romano retrata isso: a realeza se ajoelhava perante o papa e não o contrário.
2. Cristo contra a cultura
Aqui acredita-se que cristãos devem viver
separados do mundo, criando sua própria contracultura, mudando a maneira como
vivem incluindo vestimentas etc. Essas pessoas se recusavam a pedir a benção
dos religiosos, servir ao exército, o que enfurecia o governo. Como resultado,
países como Inglaterra, Rússia, França e Alemanha cruelmente os perseguiram. A América
do Norte serviu de refúgio para muitos desses grupos: Anabatistas, Amish, Menonitas, Quakers e Luteranos.
3. Cristo em conflito com a Cultura
Luteranos desenvolveram uma doutrina
“Cristo em conflito com a cultura”. Na terra fazemos parte de dois mundos,
disse Lutero: o reino de Cristo e o
mundo. Cada um com o seu próprio conceito de autoridade sendo que estamos
sujeitos a ambos. Obviamente o governo algumas vezes pedirá a cristãos que
façam coisas contra sua lei moral, trazendo os dois reinos em conflito. Na
Alemanha, terra de Lutero, vários soldados de Hitler agiam
dando a seguinte desculpa: “Estamos somente obedecendo ordens”.
4. Cristo com a Cultura
Essa abordagem tomou muitas formas com
teólogos liberais misturando teologia e política a secularistas que acreditam
que a democracia e justiça cumprem o que Jesus ensinou. Enquanto trabalham para
reformar a sociedade, tendem a refletir a cultura ao redor ao ponto de perder
sua fé.
Pode-se dizer, que Niebuhr não conseguiu antecipar
totalmente as sociedades modernas que englobam diversas culturas. Suas abordagens eram todas pensadas em apenas uma cultura.
Vivendo em um mundo multicultural
Quais objetivos devemos buscar em uma democracia abrigando diversas religiões?
Quais objetivos devemos buscar em uma democracia abrigando diversas religiões?
Sendo o cristianismo a religião com a maior quantidade de seguidores no Ocidente, até que ponto podemos ser influenciados pela cultura que nos cerca?
A história oferece vários exemplos onde a fé interage com a
cultura.
Jesus aceitou muito da cultura religiosa ao adorar na sinagoga e no templo sendo chamado de Rabi. Fez algumas importantes exceções como:
alcançou os hereges samaritanos e pecadores, quebrou a regra do sábado e usou
força ao expulsar quem queria lucrar no templo. Ao mesmo tempo, mostrou pouca
preocupação com a política secular, chamando Herodes de “aquela raposa”, deu
respostas evasivas a Pôncio Pilatos e nos deixou um princípio
enigmático de “De a César o que é de Cesar e a Deus o que é de Deus”.
Já o apostolo Paulo esteve mais perto do estado,
utilizando o título de cidadão romano para testemunhar ousadamente perante os juízes romanos e até mesmo ao rei. Ele confrontou a cultura com a nova mensagem de
Jesus mostrando respeito pelas autoridades políticas. Até mesmo confiou no
poder Romano para protegê-lo das autoridades religiosas que queriam mata-lo apelando para Roma.
O novo testamento apresenta o governo como necessário, até mesmo
ordenado por Deus, mas certamente não patrocinador ou amigo da fé. A maioria
dos doze discípulos morreram como mártir e os primeiros cristãos sofreram
frequentes perseguições dos imperadores Romanos.
As vezes igreja e estado trabalham de mãos dadas para
encorajar valores morais que ambas concordam. As duas maiores religiões,
Cristianismo e Islamismo, procuram influenciar a cultura que as rodeia. Países de maioria muçulmana seguem a lei da Sharia, onde tanto
religião como estado impõem leis vindas do Alcorão.
Impor ou Servir?
Há tempos tanto igreja como estado resolveram de certa forma forçar, impor de forma arbitrária valores morais que acreditam. Os EUA e seus aliados lutaram uma longa e
sangrenta guerra no Afeganistão para liberar os afegãos do fanático e tirano
Talibã que proíbe educação de meninas, música, além de semanalmente exibir
publicamente em um estádio de futebol corte de mãos de ladrões e apedrejamento
de adúlteros. Em alguns países muçulmanos, a polícia moral publicamente bate em
mulheres que dirigem um carro sozinhas ou ousam andar de táxi desacompanhada de
seus maridos.
O século XX viu tiranos de regimes ateístas prenderem e matarem
dez milhões de pessoas, censurar arte, literatura, música além de torturar cidadãos
que trocam de credo.
A polícia moral no Camboja e a Guarda Vermelha na China,
persegue pessoas de crimes como usar óculos de sol, portar dinheiro ou ter um diploma universitário.
Para sua própria vergonha também, o cristianismo teve sua época
de uso da coerção. Na Irlanda por exemplo, quem faltava ao culto era severamente advertido
e líderes do norte forçavam algumas vezes católicos a frequentarem igrejas
protestantes.
Em 1942 a Espanha decretou que todo judeu convertido ao cristianismo deveria ser expulso do pais.
Em 1942 a Espanha decretou que todo judeu convertido ao cristianismo deveria ser expulso do pais.
Após muitos episódios como esses, tornou-se claro que a proximidade entre religião e estado leva a abuso de poder.
Cristãos experimentaram a mistura igreja X estado, tanto em Gênova com Calvino ou na Espanha sob a Inquisição. Pode ter funcionado por
um tempo, mas inevitavelmente provocou uma reação muito negativa contra a
igreja como vemos hoje na Europa pós cristã.
Olhando os Estados
Unidos da perspectiva da Europa, o historiador Paul Johnson identifica isso como uma das melhores
contribuições. “Assumir esse princípio, o ponto central do cristianismo na América, de que a convicção de cada indivíduo, livremente exercida nas igrejas,
atuando voluntariamente, irá gradualmente e necessariamente permear a sociedade
pelo exemplo.”
Cristãos e muçulmanos enfrentam desafios opostos. Islã,
fundado simultaneamente como religião e estado, tende a unificar religião, cultura e política. Por um tempo, o Cristianismo ocidental evoluiu da ideia de
uma sociedade unificada para a separação de igreja e estado garantindo
liberdade religiosa. Para quem é de fora, as diferenças são gritantes: enquanto
em uma escola americana há o debate sobre a legalidade de uma oração de um minuto
antes de um jogo de futebol, em países estritamente muçulmanos, o comercio e
transporte param o que estão fazendo cinco vezes ao dia para a oração.
Liberdade sempre envolve riscos, tanto que a Europa fugindo
das restrições impostas por um Estado não laico se tornou uma cultura pós
Cristã.
Não existe atualmente um pais pós Islã, a não ser países onde
forçadamente a religião foi destituída.
Talvez seja por essa razão que alguns
Cristãos parecem ansiar por um tipo de governo mais parecido com o muçulmano. Um
país onde o estado dite as regras da cultura. Eles também usam poder político e
um código legal que reflete seus valores morais.
Cristãos irão novamente voltar ao modelo de impor ao resto
da sociedade seus valores morais? Fazendo isso, estaremos traindo nossos
fundadores que resistiram à tentação de impor obediência a todos, morrendo como
mártir nas mãos de um poderoso estado.
Como disse Miroslav Volf: “Impor algo é o contrário da fé
cristã cuja essência significa servir – e não impor.
Algumas práticas que eram comuns como: sacrifício humano, escravos,
duelos de morte, trabalho infantil, exploração de mulheres, racismo são hoje
considerados crimes e alguns casos banidos muito devido à influência
do cristianismo em uma cultura.
Percebo que alguns cristãos realmente acreditam que se
fossem aprovadas leis mais conservadoras, poderíamos mudar o nosso país. Um
famoso líder espiritual afirma: “ A única maneira de termos um genuíno
avivamento é através de uma reforma legislativa”. Teria ele apoio da maioria dos cristãos?
Citou T.S. Eliot.: “É uma perigosa inversão, justificar o
cristianismo como sendo a base da moralidade ao invés da necessidade da
moralidade cristã que vem da verdade do
cristianismo.”
Vejo a confusão entre política e religião como uma das
maiores barreiras a se alcançar a graça de Deus. C.S. Lewis disse que quase
todos os crimes da história do cristianismo são relacionados ao momento em que
política e religião se misturam. Política, onde sempre funciona pela regra não
da graça, nos tenta a deixar a graça de lado por poder, tentação que a igreja
nem sempre consegue resistir.
A frase de Thomas Jefferson: “Muro de separação entre
igreja e estado”, foi primeiramente citada em uma carta da Convenção Batista
que deu boas vindas a tal muro de separação. Batistas, puritanos, Quaker e
outros grupos menores fizeram uma longa viagem à América com a esperança de
encontrar um lugar onde havia essa separação pois todos tinham sido vítimas se
um estado financiado pela perseguição religiosa.
Quando a igreja se une ao estado, tende a usufruir e exercer poder ao invés de dispensar graça.
Quando a igreja se une ao estado, tende a usufruir e exercer poder ao invés de dispensar graça.
Mark Galli escreveu na revista História do Cristianismo: “Cristãos nos dias de hoje reclamam sobre a desunião da igreja, a falta de
líderes políticos cristãos, e a carência de cristãos que influenciam a cultura
popular secular. Nenhuma das reclamações faziam parte da idade média, uma era
onde a igreja era uma com o estado. Cristãos indicavam os principais líderes
políticos e a fé permeava toda a cultura da época. Mesmo assim olharíamos para
trás com nostalgia sabendo do resultado? As cruzadas devastaram terras. Muitos
foram convertidos pela espada. Inquisidores perseguiram judeus, bruxas, os
sujeitando a cruéis testes de fé.
Verdadeiramente a igreja era a política moral da sociedade. Graça deu lugar ao
poder.
Quando a igreja teve a oportunidade de decidir as regras de
toda uma sociedade, se tornou o extremismo que Jesus advertiu contra.
Considerando o exemplo de Gênova de Calvino, oficiais poderiam chamar a atenção
de qualquer pessoa por questionar a fé. Ir à igreja era obrigatório.
Existiam leis para definir quantos pratos poderiam ser servidos em um jantar e
cores apropriadas para as vestimentas. Uma mulher cujo cabelo alcançasse um
tamanho “imoral” passaria quatro dias na cadeia. Em alguns incidentes, alguns
dos parentes próximos de Calvino foram executados quando achados na cama com
seus amantes.
Depois de reportar sobre esses momentos, o historiador conclui:
“Tentativas para alcançar uma perfeita sociedade cristã, levou papas e
revolucionários a praticarem sangrentos atos de terror”. Isso deve nos fazer
pensar sobre as vozes que hoje nos chamam a derrubar o muro entre igreja e
estado e restaurar a moralidade na nossa sociedade.
Em uma parábola Jesus nos adverte sobre os fazendeiros que
queriam arrancar o joio da plantação podendo arrancar junto trigo. Jesus é o único
justo juiz.
Queremos nós arrancar o joio do trigo? Queremos nós fazer
essa separação?
Apostolo Paulo tem muito a dizer sobre a imoralidade de
alguns membros de igreja, mas pouco sobre a imoralidade pagã de Roma. Ele não protestou
sobre os abusos de Roma (escravidão, idolatria, jogos de gladiadores, opressão
política, invejas) – mesmo que esses abusos certamente ofendessem cristãos da
época - tão quanto a sociedade
deteriorada de hoje ofende os cristãos.
Quando fui a Casa Branca visitar o presidente Clinton,
estava ciente de que sua reputação com os cristãos conservadores pendia em dois
assuntos: aborto e direitos dos homossexuais. Concordo que são pontos importantes
que os cristãos devem tratar mas quando vejo o novo testamento, encontro muito
pouco sobre esses assuntos, práticas que existiam na época, de maneira
diferente e ainda mais ofensiva. Cidadãos romanos não confiavam no aborto como
controle de natalidade. As mulheres tinham seus filhos e então os abandonavam
do outro lado da rua para animais os atacarem. Por outro lado, tanto romanos
como gregos, praticavam uma forma de sexo onde homens mais velhos costumeiramente usavam meninos como escravos sexuais.
Tanto nos dias de Jesus como nos de Paulo, esses assuntos aconteciam e afetavam os cidadãos da época. Hoje, são crimes em qualquer país civilizado do mundo. Nenhum país permite alguém
matar um recém-nascido. Nenhum país permite sexo com crianças. Jesus e Paulo
sem dúvida nenhuma sabiam dessas práticas deploráveis e mesmo assim Jesus não
disse uma só palavra sobe isso e Paulo fez apenas poucas referências sobre
relação o caso de sexual entre pessoas do mesmo sexo.
Ambos não se concentraram nas práticas
pagãs que os cercavam, mas no reino de Deus.
Por essa razão, questiono sobre grande energia depositava
em restaurar a moralidade nos EUA.
Estamos mais preocupados com as coisas desse reino do que com as que não
são?
Como nos sentiríamos se os historiadores se referirem a
igreja dos dias atuais como: “Eles bravamente lutaram contra o aborto e os
direitos dos homossexuais, enquanto que ao mesmo tempo fizeram pouco para
cumprir o chamado da Grande Comissão e espalhar o aroma da graça no mundo?"
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